“Briga de cachorro grande”: reforma tributária cria disputa bilionária entre montadoras de carros no Brasil
Brasil – Uma batalha de proporções bilionárias está tomando forma nos bastidores da reforma tributária em tramitação na Câmara dos Deputados, com montadoras de renome disputando ferrenhamente o destino de isenções fiscais, enquanto um jogo político complexo dita os rumos dessa contenda. As informações são do Colunista da UOL, Felipe Pereira.
No centro do embate está a Stellantis, conglomerado dono de marcas prestigiadas como Fiat, Peugeot, Citroën e Jeep. A empresa atualmente goza de uma isenção de impostos que totaliza R$ 5 bilhões anualmente, benefício que está programado para vigorar até 2025. No entanto, a empresa enfrentou uma tentativa de prorrogação dessa isenção durante a discussão da reforma tributária na Câmara, lançando o debate em um turbilhão de interesses divergentes.
A questão atingiu seu ápice quando lobistas das montadoras se dirigiram à Câmara, pouco antes das votações, buscando influenciar os rumos da reforma. Um panfleto misterioso começou a circular, listando argumentos contrários à prorrogação das isenções fiscais, aumentando a pressão sobre o delicado debate.
A Stellantis, beneficiada pelo Regime Automotivo do Nordeste, é dispensada de pagar 11,6% de IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) e contribui com apenas 2% de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), em comparação com a alíquota padrão de 12%. A empresa mantém uma fábrica na cidade de Goiana, em Pernambuco. Além disso a Stellantis se encontra em posição solitária, sendo a única com uma planta na região Nordeste.
Uma emenda foi apresentada no contexto da reforma tributária para estender o prazo da isenção até 2032. No entanto, essa prorrogação foi rejeitada na Câmara por uma margem mínima de votos, em um momento que se tornou politicamente crucial. O líder do Partido dos Trabalhadores (PT) na Câmara, Zeca Dirceu, foi um dos votantes contrários, levantando um vínculo político, uma vez que representa o Paraná, região contrária à prorrogação, enquanto as regiões Sul e Sudeste, onde se concentram a maioria das montadoras do Brasil, também se opõem à medida.
O grupo de montadoras adversárias da prorrogação inclui 26 marcas, destacando-se a Toyota, GM e Volkswagen.
Embora o resultado na Câmara tenha sinalizado uma pausa na disputa, o cenário está longe de ser resolvido. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva manifestou apoio à isenção, o que alimenta a possibilidade de que o benefício seja restabelecido no Senado, onde a reforma tributária agora se encontra. Assim, os esforços dos lobistas persistem, visando influenciar as deliberações do Senado.
Um novo elemento foi inserido na contenda com a entrada da BYD, que planeja adquirir a fábrica da Ford na Bahia para produzir veículos eletrificados. Deputados envolvidos na reforma tributária propuseram que a BYD também obtivesse o subsídio, considerando sua recente chegada ao país e a inovação tecnológica que representa. Apesar de ainda não ter avançado na Câmara, essa questão agora está sob avaliação no Senado, onde a prorrogação do benefício para a BYD é considerada mais provável devido à distribuição equitativa de senadores por estado.
O relator da reforma tributária no Senado, Eduardo Braga (MDB-AM), disse que deve seguir o caminho de contemplar somente a BYD. Nos bastidores, fala-se que o benefício usufruído pela Stellantis já compensou o investimento na planta de Pernambuco.
A discussão também lançou uma sombra sobre a poderosa Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), cujo presidente é associado à Stellantis. A postura do presidente em relação à disputa gerou descontentamento entre as outras montadoras, que alegam que ele interveio em questões que deveriam ser independentes. O debate evidencia tensões dentro da associação, e alguns defendem que a liderança da Anfavea seja assumida por um profissional externo ao setor.
O complexo conflito entre as montadoras está longe de ser resolvido, e à medida que a reforma tributária continua sua jornada pelo Senado e retorna à Câmara para novas análises, é possível que um terceiro round nessa batalha bilionária seja travado. Estudos de ambos os lados embasam os argumentos apresentados, e as negociações políticas permanecem intensas, com muito em jogo para a indústria automotiva e para o Brasil como um todo.